Entre as novidades inseridas pela nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021), destaca-se o protagonismo conferido aos tribunais de contas, que foram descritos como a “terceira linha de defesa” para gestão de riscos e controle preventivo das contratações públicas.
Além das atribuições anteriormente conferidas a esses órgãos e ratificadas pela nova legislação, foram previstos certos parâmetros a serem observados. Entre eles, o de que o tribunal deve decidir o mérito de processos licitatórios suspensos por medidas cautelares no prazo de 25 dias úteis (art. 171, § 1º), com indicação do modo de atendimento do interesse público obstado por essa suspensão (art. 171, § 1º, II), e apontar medidas para saneamento do certame ou determinar sua anulação na decisão meritória (art. 171, § 3º).
Em comunicação durante a sessão plenária de 23/06/2021, contudo, o Tribunal de Contas da União (TCU) suscitou possível inconstitucionalidade dessas obrigações e remeteu a matéria para apreciação de sua Consultoria Jurídica, a fim de eventualmente representar à Procuradoria-Geral da República para o oferecimento de Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Isso porque, para a Corte de Contas, a Lei 14.133/2021 estaria invadindo sua competência de autogoverno para dispor sobre sua Lei Orgânica, resguardada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em decisões diversas.
Além disso, a nova Lei de Licitações estabeleceria obrigações que se tornariam inexequíveis em hipóteses mais complexas.
O prazo estabelecido não se mostraria suficiente para comportar as diversas etapas da análise no TCU – unidade técnica (auditor, diretor e secretário), procurador de contas e relator – e a possibilidade de pedidos de vista. Também desconsideraria que a urgência na análise de questões em liminares não necessariamente se mantém na fase de mérito.
Foi suscitado o julgamento da ADI 5351, no qual o STF entendeu como inconstitucional a definição de prazo para que o Ministério Público Federal (MPF) adotasse providências relativas a fatos apurados em CPI ou apresentasse justificativas ao Congresso Nacional em caso de omissão.
Independentemente da plausibilidade dos argumentos de inconstitucionalidade levantados pela Corte de Contas, cabe o questionamento acerca do que teria originado o atual impasse. Afinal, nos últimos tempos, o TCU tem assumido protagonismo em relevantes matérias de gestão pública.
Ao ampliar sua atuação nesse campo, o Tribunal parece ter criado um cenário de dependência da gestão pública em relação às suas decisões. Por essa ótica, pode ser que os dispositivos legais que agora questiona, que, em síntese, procuram coordenar a intervenção do TCU em certames licitatórios, sejam produto de seu próprio comportamento.
Se, da perspectiva do agente público, a Corte de Contas se tornou essencial para a tomada de decisões – nesse caso, para o prosseguimento de licitações –, não seria também plausível que o legislador tentasse incluir o TCU no fluxo decisório, estabelecendo, por consequência, marcos claros para o célere atendimento do interesse público?
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